Saiba quem são as 116 mil pessoas que não têm acesso à internet do Distrito Federal

Segundo o IBGE, milhares de moradores do Distrito Federal não têm internet: por não saber usar, por não ter condição financeira ou não ter interesse

Em uma mesa de plástico no meio da sala, Caíque Rodrigues Lopes, de 14 anos, senta com os livros e cadernos para tentar estudar da forma que pode. Ele e os três irmãos mais novos moram com a mãe, Graciele Rodrigues Barbosa, de 31, na Estrutural, e são uma das milhares de famílias do Distrito Federal que não dispõem de internet em casa.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 116 mil moradores do DF com 10 anos ou mais não têm acesso à rede. Na residência de Graciele, que é mãe solo e catadora de material reciclável, as quatro crianças — de 14, 12, 9 e 7 anos — precisam dividir um único telefone móvel. Eles só usam internet quando sobra dinheiro no fim do mês para a mãe colocar crédito no celular.

“Às vezes, eles não fazem trabalho da escola porque não têm como fazer. Mas tenho de optar por dar o melhor para os meus filhos e priorizar, como a comida em casa. Só se sobrar dinheiro eu coloco internet”, diz Graciele.

Há dois anos, a família está sem internet em casa por falta de condições financeiras. “A minha mãe mora aqui do lado, e a casa dela tem Wi-Fi. Mas ela coloca quando a gente precisa e ela mesmo tira a senha do celular de novo depois, para não acabar logo”, conta a moradora da Estrutural.

Graciele trabalha em uma cooperativa de material reciclável na Cidade do Automóvel e só retorna ao lar por volta de 23h. Outra preocupação dela em relação a não ter internet em casa é a falta de notícia dos filhos ao longo do dia.

“A prioridade é os meninos. Se sobra dinheiro em algum mês, coloco crédito no celular para eles usarem. Na pandemia, por exemplo, eles saíram perdendo, porque eram os quatro para estudar ao mesmo tempo, e só havia um celular para assistir aula”, ressalta.

“Era difícil acessar as aulas, e todo mundo aqui em casa tinha aula ao mesmo tempo. Aí, cada dia era um para entrar na aula”, lembra Caíque. “Teve uma época que minha mãe até foi na escola, mas só no final da pandemia que a gente conseguiu pegar as folhas impressas para estudar”, completa o menino.

Menino com bochechas grandes sentado, olhando para baixo onde há um caderno, uma caneta e um celular sem internet na mesa

Razões para a falta de internet

A Pnad Contínua: Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) 2021, divulgada na sexta-feira (16/9), abrangeu as pessoas de 10 anos ou mais e focou na sua ocorrência nos últimos 90 dias que antecederam a data da entrevista no domicílio.

De acordo com o levantamento do IBGE no DF, os motivos mais apontados para a não utilização da internet foram: não saber usar (48%) e falta de interesse em acessar a rede (31,3%).

Veja a lista com os motivos:

  • Não sabem mexer na internet: 56 mil (48%)
  • Não têm interesse em acessar: 36 mil (31,3%)
  • Outros motivos: 13 mil (11,6%)
  • Não têm condições financeiras para ter internet: 11 mil (9,1%)

Falta de renda

Também dentro desse grupo de 11 mil pessoas está Maísa da Conceição Santos, 28 anos. Moradora de Brazlândia, ela está desempregada e tem três filhos para criar — dois gêmeos de 10 anos e um bebê de 1 ano.

A mulher está sem internet em casa e no celular desde o ano passado. Assim como as crianças de Graciele, os filhos de Maísa têm sofrido prejuízo nos estudos devido à falta de rede.

“Enquanto tinha aula on-line, os meus filhos perderam muito. Agora que tem trabalho com internet, eles não estão fazendo”, lamenta a moradora de Brazlândia.

Ela conta que tentou fazer cursos de capacitação oferecidos pelo governo, mas que não teve como assistir as aulas para as quais se inscreveu, pois eram no formato virtual. “Eu mal consigo comprar alimento, e estou com aluguel atrasado. Então, não tenho condição nenhuma de pagar pacote de internet. A renda que tenho é o Auxílio Brasil”, desabafa Maísa.

Acesso difícil

Há 10 anos morando no Sol Nascente, Maria Aurinete Pereira dos Santos (foto em destaque), 53, já colocou internet em casa duas vezes, mas sente dificuldade em usá-la e desistiu de tê-la. Agora, vive sem a rede em casa.

“Não sei mexer, tenho dificuldade. Tudo eu precisava, alguém tinha que fazer para mim. Fico até com vergonha, porque meu estudo é muito pouco”, desabafa a auxiliar de serviços gerais.

Mãe de Ana Vitória, de 10, ela relata que até conseguiu recentemente pagar por um plano de internet no celular, para que a menina use, mas diz que o sinal é ruim.

“Coloquei para ela assistir desenho, estudar. Mas é difícil, às vezes não vem fatura, às vezes vem no celular, mas não consigo pagar. E não está valendo a pena, vou precisar cancelar”, salienta.

Para Bruno Kesseler, presidente da ONG Central Única das Favelas no DF (Cufa-DF), a falta de acesso à internet prejudica famílias em situação de vulnerabilidade de diversas formas. “Primeiro, com o acesso às informações. Para que o cadastro em muitas ações sociais seja feito, é preciso acessar plataformas on-line, e muitas informações a respeito delas estão na internet”, comenta.

“As pessoas nesses territórios estão trabalhando no período da manhã e da tarde, então dificilmente conseguem acompanhar telejornais. Portanto, a forma que teriam acesso a essas informações seria por meio da internet. Educação e capacitação também estão entre os fatores prejudicados por essa falta”, pontua.

IBGE diz que precisa de recursos ainda neste ano para viabilizar Censo de 2022

Levantamento do IBGE

Segundo o levantamento do IBGE, apesar de 116 mil moradores do DF não terem acesso à rede, a internet foi utilizada em 97,7% das residências do DF em 2021, tendência de crescimento que vem se confirmando desde 2016. A pesquisa mostrou que o salário real médio mensal per capita (por pessoa) nos domicílios brasilienses com internet (R$ 2.560) foi 26,1% maior do que o rendimento nos que não utilizam essa rede (R$ 2.030).

Em 2021, na população de 2,67 milhões de pessoas de 10 anos ou mais do Distrito Federal, 95,6% — 2,55 milhões — utilizavam a internet. Esse percentual vem crescendo desde 2017, quando 85,9% das pessoas de 10 anos ou mais tinham usado a rede no período de referência, passando para 91%, em 2018, e para 92,7%, em 2019.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *