Justiça condena Equatorial a indenizar consumidora que sofreu assédio sexual de funcionário

A cada 48 horas, uma mulher se queixa de assédio sexual nos trens ...

A Equatorial Maranhão Distribuidora de Energia, antiga Cemar, foi condenada pela Justiça a pagar R$ 10 mil a uma consumidora que denunciou ter sido assediada sexualmente por um funcionário da empresa, responsável pela leitura das contas de energia.

Na sentença, narra a autora que, “no dia 14/09/2016, um funcionário da empresa 55 Soluções, empresa contratada pela Equatorial para prestação de serviços, compareceu à sua residência, usando fardamento com a insígnia da concessionária, sob o pretexto de que entregaria a fatura do seu consumo de energia.

Relata que o referido funcionário teria solicitado quantias ínfimas em dinheiro para reduzir o valor da cobrança, sendo que, diante da negativa, pediu-lhe um beijo, e, em seguida, que retirasse a toalha que a cobria, de modo a exibir-lhe o corpo.

Explica que, diante da proposta, fechou a porta de sua casa imediatamente e tentou se consolar junto ao seu cônjuge. Conta que, após o ocorrido, dirigiu-se à Equatorial, tendo sido informada de que o aludido funcionário pertencia aos quadros da litisconsorte, eximindo-se de responsabilidade”

O processo foi protocolado pelo Escritório Araújo, Lisboa & Piedade Advogados Associado, que recorrerá do valor da indenização considerada baixa em fução da situação vexatória vivida pela consumidora.  Ao final, o processo foi enviado ao MP para apurar algum crime.

Veja a íntegra da sentença do juiz Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula, titular da 2ª Vara de Paço do Lumiar (MA): 

S E N T E N Ç A

Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais ajuizada por R. G. F. em face da 55 Soluções S.A e da Companhia Energética do Maranhão (CEMAR), atualmente denominada Equatorial Maranhão Distribuidora de Energia S/A, já qualificados nos autos.

Narra a autora que, no dia 14/09/2016, um funcionário da empresa 55 Soluções, empresa contratada pela Equatorial para prestação de serviços, compareceu à sua residência, usando fardamento com a insígnia da concessionária, sob o pretexto de que entregaria a fatura do seu consumo de energia.

Relata que o referido funcionário teria solicitado quantias ínfimas em dinheiro para reduzir o valor da cobrança, sendo que, diante da negativa, pediu-lhe um beijo, e, em seguida, que retirasse a toalha que a cobria, de modo a exibir-lhe o corpo.

Explica que, diante da proposta, fechou a porta de sua casa imediatamente e tentou se consolar junto ao seu cônjuge. Conta que, após o ocorrido, dirigiu-se à Equatorial, tendo sido informada de que o aludido funcionário pertencia aos quadros da litisconsorte, eximindo-se de responsabilidade.

Acrescenta ter formalizado uma reclamação junto à concessionária, sob protocolo de nº 8002452137, solicitando a qualificação do contratado para os devidos registros criminais.

Requer, portanto, a condenação das requeridas ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Despachada a inicial (ID 3956448), foi determinada a citação das requeridas, que veio a se aperfeiçoar com os aviso de recebimento acostados nos ID’s 5991513 e 5992006.

A Equatorial ofereceu contestação no ID 5277967, em que suscita, preliminarmente, a inépcia da inicial, pela ausência de documentos indispensáveis à propositura da demanda. No mérito, nega a ocorrência do fato narrado pela autora, aduzindo que seus funcionários passam por rigoroso processo de treinamento.

Precluso o prazo para réplica, as partes foram instadas à produção de provas (ID 20555095),tendo a autora pugnado pela produção de prova oral, enquanto a requerida pugnou pelo julgamento antecipado.

Designada audiência de instrução, esta veio a se realizar no dia 23/10/2019, com a oitiva das partes e da testemunha da requerente, a Sra. Maria da Conceição Moraes Ferreira. Na ocasião, foi declara a revelia da 55 Soluções e consignada a proposta de conciliação ofertada pela Equatorial e rejeitada pela autora, conforme termo acostado no ID 24854167.

Encerrada a instrução, a autora ofereceu alegações finais remissivas em banca, enquanto a Equatorial apresentou memoriais no ID 25595632.

Era o que cabia relatar. Passo a decidir.

Inicialmente, em relação à preliminar de inépcia da inicial, dispensando maior esforço jurídico, rejeito-a de plano, tendo em vista que o caso não se traduz em mera prova documental, por se tratar de situação fática, perfeitamente aferível em sede de instrução – como efetivamente foi –,sem que isso frustrasse o contraditório ou a própria composição da demanda.

Adentrando o mérito, merece ser destacado que a relação de direito material ora debatida configura relação de consumo, considerando-se a autora como vítima do evento, conforme art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual a questão será analisada sob a ótica deste estatuto consumerista.

Pois bem. Cinge-se o feito à análise sobre a ocorrência ou não do fato alegado pela autora e refutado pela ré contestante – já que a revelia da 55 Soluções não induz à presunção de veracidade, como decorrência do disposto no art. 345, inciso I, do CPC/2015.

Nesse sentido, considerando a hipossuficiência da destinatária da prestação do serviço, e considerando que a requerida dispunha de muitos outros mecanismos de identificar o responsável (ou não) pelo fato, é devida a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC)

No caso, a autora relatou em juízo que, naquele dia, estava se arrumando para uma entrevista de emprego, quando o funcionário chegou à sua residência, fazendo com que ela se envolvesse rapidamente na toalha para atendê-lo.

Explicou a requerente que o seu aparelho de medição ficava na parte externa da residência, não existindo razões para que ele precisasse contactá-la.

Contou que, desde quando apareceu à frente do funcionário, muito embora separados pela grade da casa, aquele lançou olhares sobre seu corpo, fazendo com que ela se escondesse mais ainda atrás da porta.

Narrou ainda que o empregado passou a oferecer sucessivos descontos na sua conta de energia, em troca de um beijo na boca; e que, apesar de lhe ter solicitado respeito naquele momento, o indivíduo insistiu nas investidas, passando a oferecer vantagens caso ela abrisse a toalha, de modo a exibir o corpo.

Por outro lado, a testemunha, Maria da Conceição Moraes Ferreira, vizinha da autora, relatou que o mesmo funcionária empreendeu a mesma conduta de oferecer propostas de abatimento nas faturas de energia a outras moradoras da localidade, tomando conhecimento, apenas posteriormente, do nível de sua ingerência sobre a autora.

Por fim, a preposta da Equatorial, ouvida em juízo, relatou que, em casos como esse, a empresa investiga a autoria do fato e providencia o desligamento do responsável, mas que, na presente situação, não foi identificado o funcionário, não sendo possível se ele ainda continua prestando serviços.

Diante de tais declarações, e observando os demais elementos contidos nos autos, entendo que assiste razão à parte autora.

Quanto à ocorrência do abuso perpetrado pelo suposto funcionário, entendo que restou inafastável a sua demonstração nos autos, parecendo-me verossímeis as alegações autorais quando de sua narrativa prestada em juízo, e corroborada por sua vizinha, que tomou conhecimento da perpetuação da prática naquela comunidade.

Também são capazes de corroborar a narrativa da autora o Boletim de Ocorrência juntado no ID 3804617, e o protocolo de atendimento junto à concessionária de ID 3804622.

A requerida, por outro lado, não se desincumbiu do seu ônus.

Mesmo tendo sido informado o protocolo de reclamação, a concessionária não envidou quaisquer esforços para trazer aos autos eventual processo administrativo, ou investigação preliminar, que houvesse sido realizada, para apuração dos fatos.

Pelo contrário, a preposta ouvida em juízo sequer sabia informar se o indivíduo ainda guarda vínculo com a empresa, do que é possível denotar que se deixou ao esquecimento o caso da autora,sem a devida averiguação.

Em sede de memoriais, diferentemente da postura que guardou ao longo dos autos, a requerida abandona a tese de inexistência do fato, alegando apenas que o funcionário não possuía identificação da CEMAR (atualmente Equatorial), uma vez apontado nos autos que integrava o quadro da 55 Soluções.

Não merece acolhida essa tentativa de se furtar da responsabilidade.

Tanto a autora quanto a testemunha indicaram que, muito embora não usasse crachá, o funcionário estava fardado, e exercia o múnus de extrair o faturamento de energia.

Ora, pelas próprias regras de experiência comum dos maranhenses, é sabido que a concessionária de energia há tempos se utiliza de empresas intermediárias para execução de serviços de campo, motivo pelo qual muitos dos leituristas não possuem vínculo direto com a Equatorial, mas em nome dela exercem sua função de apuração do consumo de energia elétrica.

Justamente por tal caráter de representatividade não me parece lícito que a concessionária, que usufrui da prestação de serviço em seu nome, possa se afastar da responsabilidade pelos danos provocados por aqueles que utilizam da função de caráter público para obter vantagem indevida, conforme art. 37, §6º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, os arts. 933 e 932, III, do Código Civil estipulam que o empregador, independentemente de culpa, deverá reparar os danos provocados por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho ou em razão dele, não se exigindo, para tanto, o efetivo vínculo empregatício, mas sim relação jurídica exposta ao consumidor como tal.

A esse respeito, a teoria da aparência, em atenção a determinadas circunstâncias, equipara os estados de fato e de direito: “basta que a competência do preposto seja aparente para acarretar a responsabilidade do comitente. Considera-se suficiente a razoável aparência do cargo. O lesado, a toda evidência, terá que estar de boa-fé, isto é, convicto de que o preposto se achava no exercício de sua função no momento da prática do ato” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 250).

Dito isso, entendo que tanto a Equatorial quanto a 55 Soluções devem responder, solidariamente, pelo agente que no interesse daquelas atuava.

Assim, configurado o fato e o propenso nexo de causalidade, percebo que o dano provocado no caso em tela toma maiores proporções, pois, para além da quebra da confiança legítima sobre o agente público, o indivíduo afligiu diretamente a honra e a intimidade da autora, ao insistir na oferta sexual.

Ademais, é de se recordar que a autora enfrenta o processo conhecido como revitimização ou vitimização secundária, pelo qual a ofendida se vê obrigada a enfrentar o processo formal de apuração dos fatos para que veja feita a justiça, submetendo-se à necessidade de rememorar os fatos que outrora lhe afligiriam a personalidade.

E mais: num Estado brasileiro marcado pelos resquícios de uma formação histórica patriarcalista, que expõe mulheres às diferentes formas de violência, é dever não apenas do Poder Público, mas de toda a sociedade – aqui incluída a iniciativa privada –, envidar esforços para a eliminação de atitudes machistas e misóginas, que, ao fim e ao cabo, reforçam a cultura do estupro e a errônea percepção de poder sobre o corpo feminino.

Nesse sentido, entendo que, para além da ação do agente, a omissão das requeridas na apuração do fato vai de encontro ao esforço coletivo de promoção da justiça e da igualdade de gênero, revelando o descaso com o fato grave levado ao seu conhecimento, pelo que, tendo em vista o aspecto pedagógico e preventivo do dano moral, merecerão maiores reprimendas.

Por fim, cabe destacar ainda que a autora relatou em audiência que, no dia do ocorrido, estava se preparando para uma entrevista de emprego, cuja situação de desemprego é corroborada pelo termo de rescisão juntado no ID 3804625, sobre o que também repercutira, inevitavelmente, a conduta ora analisada.

Por todo o exposto, entendo perfeitamente demonstrada a responsabilidade das demandadas no caso em tela, fazendo jus a autora à indenização pleiteada.

No que diz respeito ao quantum indenizatório, adotando critérios de proporcionalidade e equidade, reputo suficiente o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Assim, com fulcro no art. 487, I, do CPC/2015, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO e CONDENO, solidariamente, a 55 SOLUÇÕES S.A e a EQUATORIAL MARANHÃO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A a pagar a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R. G. F., a título de indenização por danos morais, incidindo juros de mora desde o dia 14/09/2016 (evento danoso, cf. Súmula 54 e art. 398 do CC/2002), calculados pela Taxa Selic,que já absorve a respectiva correção monetária.

Condeno as requeridas ao pagamento das custas e de honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Com fulcro no art. 40 do Código de Processo Penal, determino que seja encaminhada cópia da petição inicial, do Boletim de Ocorrência e desta sentença à representante do Ministério Público, para apreciação sobre a necessidade de eventual persecução criminal.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com baixa na Distribuição.

Paço do Lumiar, 21 de julho de 2020.

CARLOS ROBERTO GOMES DE OLIVEIRA PAULA

Juiz Titular da 2ª Vara de Paço do Lumiar (MA)

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